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É possível frear o aquecimento dos trópicos com política pública e atuação coletiva

De volta à UFRGS, pesquisadores da Expedição Antártica apresentam um panorama dos dias de missão com dados atualizados sobre elevação do nível do mar, microplástico, queimadas e eventos extremos


Após 70 dias navegando em torno de toda a costa Antártica, os pesquisadores Jefferson Simões, Francisco Aquino, Venisse Schossler e Filipe Lindau e a reitora da UFRGS Marcia Barbosa receberam a imprensa em uma coletiva realizada na manhã desta segunda-feira, 3 de fevereiro, no Centro Cultural do Campus Centro da Universidade.

Simões, coordenador-geral da Expedição Antártica, traçou um panorama geral sobre os objetivos científicos da missão e fez algumas observações preliminares da viagem, em uma apresentação de 20 minutos. Segundo ele, foi possível observar algumas ocorrências que sinalizam efeitos da mudança climática na Antártica. São elas:


  • Formação de córregos de derretimento sobre geleiras e plataformas de gelo;

  • Redução da salinidade do oceano Austral (principalmente perto da costa);

  • Presença de microplásticos em amostras da neve antártica;

  • Observações da intensificação do derretimento das geleiras na ilha Rei George e expansão dos campos de musgo.


“Até 2100 temos uma projeção de aumento médio do nível do mar entre 28 e 110 centímetros, sendo que 50% derivam do derretimento das geleiras, e 50% da expansão térmica do mar. Atualmente, a Antártica contribui com 15 milímetros desse aumento em cada década”, elucida Simões.

A bordo do navio russo Akademik Tryoshnikov, 57 pesquisadores de 7 países (Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia), sendo 27 deles brasileiros, percorreram mais de 29 mil km da costa antártica para fazer a coleta de amostras e a realização de estudos que ajudarão a compreender os impactos das mudanças climáticas no planeta. O embarque dos pesquisadores foi em 22 de novembro de 2024, e o retorno aconteceu na sexta-feira última, 31 de janeiro, com saída e retorno ao Porto de Rio Grande.

Durante a missão foram coletados mais de 90 metros de testemunhos de gelo e 6 metros de testemunhos de sedimentos, realizadas atividades em 19 estações para determinar temperatura, salinidade, acidez do oceano Austral em diferentes profundidades (até 2 mil metros), coleta de amostras contínuas de dados da superfície do oceano e o lançamento de 43 balões atmosféricos (até cerca de 30 quilômetros de altitude). Agora esses materiais serão analisados por laboratórios ao redor do mundo, contribuindo para uma visão mais ampla das transformações ambientais na região.

“Estamos vendo que o clima está apresentando pontos de mudanças rápidas que podem desestabilizar o sistema. E este é o desafio: as informações científicas estão aí, mas as decisões são políticas”, explica o coordenador-geral da expedição.

A reitora Marcia alertou sobre dois pontos que tornam o Brasil campeão na emissão de carbono: as queimadas e a agricultura e a pecuária. Para mudar essa situação, é preciso "medidas de combate ativas às queimadas como também a aplicação de uma agricultura de baixo carbono, e elas existem”, disse ela, complementando que a atuação de cada pessoa é outro ponto fundamental. “No micro, cada cidadão pode reconhecer que é preciso mudar o patamar do que fazemos no dia a dia, como separar o lixo, e políticas públicas de transição [são necessárias]”.


Microplástico na Antártica

As informações trazidas pelos pesquisadores reafirmam o que já se previa: a fuligem das queimadas e o microplástico chegaram ao gelo antártico. Filipe Lindau aponta que o alto consumo de plástico no mundo associado com o descarte nos oceanos fazem com que a água e o vento o levem para longas distâncias. “Grande parte do que chega na Antártica se dá pelas correntes e pelo vento sobre o oceano. Nessa expedição, buscamos coletar amostras em locais mais remotos e, agora, vamos analisar o material para entender como o microplástico tem evoluído nos últimos anos”, frisa ele.

Outro ponto relevante trazido pelos pesquisadores são os compostos químicos levados pelas queimadas, que emitem uma assinatura (o tipo de vegetação que queimou). “Ao analisar essa pequena escala diluída na neve, conseguiremos ver até que ponto as queimadas se tornam um evento de relevância global e os seus impactos”, explica Lindau.


a foto, pesquisadores fazem a coleta de material na Antártica. Crédito: ICCE (Anderson Astor e Marcelo Curia)
a foto, pesquisadores fazem a coleta de material na Antártica. Crédito: ICCE (Anderson Astor e Marcelo Curia)

Elevação do nível do mar e ventos extremos

O aumento do nível do mar é o primeiro indicativo mais visível aos pesquisadores. Venisse Schossler relata um aumento do nível do mar dinâmico (oceano e atmosfera) em 12 cm nos últimos 10 anos, numa taxa de 4 mm por ano. Uma elevação que impacta diretamente o nível do mar dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. “A questão costeira sofrerá, e é preciso lembrar que Porto Alegre está, geograficamente, na planície costeira”, diz ela.

Em longo prazo, essas regiões não serão afetadas apenas pelo nível do mar, mas também pelos ventos que estão mais fortes e também atuam no represamento das águas dos rios, como ocorreu com o Guaíba na enchente de maio de 2024. “Esses são fatores associados”, frisa Venisse.

Com o vento nordeste mais forte no litoral gaúcho devido à alta pressão do oceano Atlântico, a previsão é que os efeitos de altitude gerem mais ciclones extratropicais na costa do Rio Grande do Sul, com ressacas mais fortes e intensas. “Os ventos mais fortes tornam os rios voadores mais intensos, e para nós, dos eventos extremos, poder ter acesso a todos esses dados é fantástico. Poderemos ter um raio-X da última década, pois todas as medidas do ponto de vista da atmosfera foram feitos”, explica Aquino, complementando que foram realizadas sondagens da atmosfera com a soltura de 43 balões atmosféricos, chegando a 33/35 km de altitude.

É consenso entre os pesquisadores que são necessárias políticas públicas de proteção ambiental, ações de mitigação de emissão de gás carbônico, transição de manejo e produção agrícola e pecuária, além da conscientização social sobre a relevância individual para reduzir o consumo e melhorar o descarte, em especial do plástico. “Estamos contribuindo de todas as formas (para o aquecimento global): se protegermos áreas de nascentes, margens de rios e tivermos legislações ambientais adequadas e respeitosas, evitamos que o Brasil seja líder em desmatamento e queimadas, e conseguimos frear o aquecimento global e refrear os extremos do nosso país. Isso seria uma política pública estratégica e, se combinada com estratégias de outros países, seria um enorme benefício”, completa Aquino.

Para Simões, aquele continente está contribuindo atualmente com menos de 10% do aumento do nível do mar, mas vai passar a ser o principal contribuinte porque está aquecendo mais. “As geleiras dos trópicos estão derretendo com alta velocidade. Está claro, isso não tem volta e terá impacto nas nossas praias, portos, defesa costeira, etc”, alerta o pesquisador.

Venisse, que pela primeira vez fez uma navegação e chegou à costa da Antártica, diz que a riqueza de dados científicos trazidos de lá vão chamar a atenção (mais ainda) para a ciência antártica. “Acredito que a Expedição Internacional de Circum-Navegação Costeira Antártica (ICCE), além do seu ineditismo no avanço sobre a fronteira da pesquisa antártica liderada por brasileiros, é uma oportunidade para que muitas pessoas entendam o quão importante a Antártica é para o clima global e para o Brasil, que é um país tropical”, finaliza ela.


Acesse todas as informações sobre a Expedição Antártica em https://www.ufrgs.br/expedicaoantartica/


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